Abri meus olhos devagar. A luz suave da manhã gelada invadia todo o ambiente ao redor da minha cama. Ainda deitada eu via através das largas janelas de vidro o vento batendo nos galhos das árvores, fazia um som gostoso, um assobio. Algumas folhas secas do outono entravam com a brisa pela janela aberta. Eu sorri.
Busquei me aquecer num corpo preguiçoso que dormia do meu lado. Me aconcheguei entre os braços quentinhos do meu querido, que ainda sonolento me abraçou apertado e voltou a cochilar. Beijei seu braço e continuei a olhar as árvores e o vento. Isso me trazia paz.
O vento alisava os lençóis e eu brincando de me esconder puxei os lençóis mais pra perto do corpo. Ele acordou de vez e rindo do meu comportamento. Me perguntou se eu estava com frio. Eu fiz charme dizendo que sim. Ele me puxou mais pra perto dele e eu, com o rosto encostado no seu peito, podia sentir sua respiração tranqüila. Ele passava as mãos nos meus cabelos, gostava de sentir meus cachos, beijou com carinho minha cabeça, gostava de sentir o meu cheiro.
Eu me sentia feliz. Me sentia completa. Não havia problemas. Nem preocupações. Ele estava do meu lado. Eu o amava e podia sentir o seu amor. Ele vivia pra me amar.
Eu não sabia há quantos anos nós estávamos deitados ali. Mas num flash vinham lembranças de momentos felizes que nós tivemos juntos. Eu lembrava de passeios no jardim. Ele me fazendo cócegas no carro enquanto dirigia. Um pôr-do-sol na praia e os nossos beijos. Devíamos estar ali há bastante tempo. Pelo menos eu o sentia como uma parte de mim. Sabia que em outro tempo, um tempo que parecia muito distante agora, eu havia o procurado e me sentia incompleta. Agora ele estava ali e eu olhava nos seus olhos.
Nos seus olhos eu via segurança e carinho. Tinha uma sensação boa de ser querida e desejada. O olhar dele me fazia sentir valiosa. Ao olhar nos olhos dele eu via espelhos que refletiam a imagem que ele contemplava: a mim. E ele via nos meus olhos o reflexo do que era mais valioso pra mim. Beijei-o. Fechei os olhos, tive a impressão de que ele fugia, escorregava por entre meus lábios, se tornava cada vez mais intangível. Uma sensação incomoda, ele ficava cada vez mais distante, incorpóreo...
Abri os olhos. A chuva fustigava a janela. Pela janela nenhuma árvore. No sofá em que eu havia cochilado só eu e minha gata velha. Mais um dia.